quinta-feira, junho 30, 2005
Professor Emídio Guerreiro

Com 105 anos, morreu em Guimarães, sua terra natal, o Prof. Emídio Guerreiro, corajoso lutador pela causa da Liberdade e da Democracia.
Para mim, morreu alguém a quem me habituei, há já muitos anos, a dedicar uma profunda amizade e admiração.
E sempre recebi dele cativantes testemunhos de apreço e simpatia.
Apesar da sua provecta idade, senti com muito pesar o seu falecimento, pois, assim, quebrou-se mais um elo ao meu passado, em que Emídio Guerreiro surgiu como um notável cidadão, exemplo de verticalidade, de solidariedade, de coerência e de constante valentia no combate por uma sociedade mais fraterna, igualitária e com mais justiça social.
Desde muito novo, foi opositor à ditadura de Salazar, o que lhe valeu a prisão e a tortura pela polícia política de então, e, depois, a demissão do lugar de assistente da Faculdade de Ciências, em que lecionava Cálculo Diferencial.
Viu-se então obrigado a sair clandestinamente de Portugal e, em Espanha, lutou ao lado dos republicanos que, na guerra civil, combatiam os franquistas.
Com a vitória destes, mais uma vez Emídio Guerreiro teve que viver uma difícil aventura para conseguir sair de Espanha e ir viver para França.
A Academia de Paris acolheu-o como docente – o que era invulgar quanto a estrangeiros – mas, quando ocorreu a ocupação de França pelas tropas Nazis, logo se integrou na resistência, na qual que se distinguiu pela sua bravura.
Finda a 2.ª Guerra Mundial, voltou ao ensino, não deixando nunca de se interessar pela vida política portuguesa, mantendo um constante relacionamento com os opositores ao regime salazarista-marcelista.
Em 1967, foi um dos fundadores da L.U.A.R. (Liga Unificada de Acção Revolucionária), que teve várias intervenções no nosso país, abalando seriamente o regime ditatorial.
Foram 40 anos de exílio, de aventuras e peripécias (que ele se comprazia em contar, e que dizia terem dado o melhor sentido à sua vida).
Por isso, o Professor rejubilou com a Revolução dos Cravos, que lhe abriu as portas para o seu regresso ao país.
Aqui, aproximou-se politicamente do P.P.D., onde chegou a ser presidente, quando Sá Carneiro, em 1975, decidiu sair do país, por doença, segundo então se disse.
Emídio Guerreiro foi um notável parlamentar, pela lista do P.P.D., para a Assembleia Constituinte, pois era um eloquente orador, revelando toda a sua vasta preparação intelectual e política, a par de uma muito prolongada experiência.
Contudo, juntamente com cerca de 40 deputados do P.P.D., que discordaram com o rumo definido, à direita, no Congresso de Aveiro, demitiu-se do Partido, passando a constituírem um grupo de independentes.
Mesmo não militando em qualquer partido, Emídio Guerreiro foi sempre uma relevante referência como símbolo da esquerda democrática.
A sua acção política mereceu-lhe condecorações quer do Governo Francês, quer da Presidência da República Portuguesa.
A Grã-Cruz da Ordem da Liberdade assentou bem numa personalidade que, na verdade, tanto lutou pela liberdade.
Até no final da sua vida, Emídio Guerreiro quis demonstrar a sua solidariedade e desapego de bens materiais! Deixou tudo o que tinha à misericórdia de Guimarães, sendo criado o Centro de Solidariedade Social com o seu nome, onde viveu o último período da sua existência.
Recordo, já com muita saudade, as muitas conversas que tive com o Professor, do qual sempre recebi ensinamentos, e de quem fui companheiro em várias acções políticas.
Recordarei sempre um bom amigo.
Curvo-me respeitosamente perante a sua memória.
Luís de Melo Biscaia